“Será que Jesus morreu por todos?” A pergunta desta noite é uma que tem sido muito debatida na história da igreja. Uma razão para isso é a dada pela pessoa que enviou a pergunta. Sua preocupação é se no evangelismo ela deve dizer às pessoas: “Jesus morreu por você”
Há um sentido no qual ninguém nega que Jesus morreu por todos, ou seja, no que diz respeito ao valor e adequação de sua morte para a salvação de cada pecador. O sangue de Jesus tem valor suficiente para resgatar dos seus pecados todos os que já viveram. Portanto, a cada pessoa pode ser dito que Jesus morreu para dar-lhes uma oferta gratuita de perdão e aceitação com Deus.
O assunto vem à sua cabeça quando perguntamos se Jesus realmente fez um sacrifício expiatório por todos. A Bíblia deixa claro que nem todos estão ou vão ser salvos. Uma grande multidão de descrentes será condenada por Deus pelo seu pecado. É isto apesar do sacrifício expiatório que Jesus fez por eles, ou é que, como eles não acreditam, Jesus não fez expiação por eles?
De acordo com a primeira visão, conhecida como redenção geral, ou expiação ilimitada, Jesus morreu para fazer expiação por todos, mas sua morte não foi efetiva, a não ser por eles acreditarem nele. Aqui, o que salva as pessoas não é a morte de Jesus, mas a sua fé; porque algumas pessoas não acreditam que estão perdidas, mesmo que Jesus tenha oferecido o seu sangue por elas. A segunda explicação é que enquanto Jesus morreu para oferecer a salvação ao mundo, ele fez expiação apenas por aqueles que crêem nele. Neste caso, os incrédulos perecem não só por falta de fé mas também por falta de expiação.
A primeira resposta é atraente porque parece atribuir toda a culpa à obstinação humana e à incredulidade. As pessoas que a sustentam apontam as declarações do Novo Testamento que falam de Cristo como o Salvador do mundo. 1 João 2:2, por exemplo, diz: “Ele é o sacrifício expiatório pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos pecados de todo o mundo”. Isso mostra, argumentam eles, que Jesus fez expiação por todos. O problema simplesmente é que com corações obstinados eles recusam o sangue que foi derramado por eles.
Existem problemas com este ponto de vista, porém, começando com a interpretação da declaração de que Jesus é o Salvador do mundo. Há boas razões para crer que João não significa o Salvador de todos, mas o Salvador dos gentios, assim como dos judeus. A primeira vez que a expressão é usada é em João 4:42, depois de Jesus ter levado o evangelho para fora dos limites do judaísmo e para os samaritanos. A ênfase de João não está em uma redenção geral que inclui os descrentes, mas na explosão da salvação através de cada tribo, língua e nação. O único Salvador do mundo é Jesus de Nazaré, o precioso Filho de Deus.1
Existem várias outras razões persuasivas para rejeitar a idéia de uma expiação geral e concluir que Jesus só fez expiação por aqueles que lhe foram dados por Deus. A primeira é a declaração expressa da Escritura, começando com João 17,9. Ali encontramos Jesus orando ao Pai na noite de sua prisão: “Eu não estou orando pelo mundo, mas por aqueles que me deram”. Da mesma forma, ele disse: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20,28). Isto é, muitos, não todos. Novamente, ao instituir a Ceia do Senhor, Jesus disse: “Este é o meu sangue da aliança, que é derramado por muitos para o perdão dos pecados”. (Mt 26,28).
Um segundo motivo para acreditar que Jesus fez expiação somente pelos seus próprios vem da doutrina da eleição. A Bíblia ensina de forma esmagadora que Deus escolheu alguns pecadores para a salvação, além de qualquer mérito próprio, passando por outros pecadores. A principal razão pela qual a maioria das pessoas nega que Jesus morreu apenas pelos seus próprios é que negam a doutrina bíblica da eleição. Mas em Romanos 8:30, por exemplo, a Bíblia vincula firmemente a eleição e os benefícios da morte expiatória de Cristo. Paulo escreve: “Aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou”
Terceiro, e talvez o mais importante, é a visão que a Bíblia nos dá da eficácia da morte expiatória de Cristo. Será que Jesus morreu apenas para tornar possível aos pecadores serem salvos se eles crerem nele? Se esse fosse o caso, então seria concebível que o Filho de Deus morresse em vão, sem que ninguém acreditasse e sem que ninguém fosse salvo. De fato, se a nossa salvação dependesse da nossa iniciativa de fé, então é exatamente isso que aconteceria já que, como diz Paulo, “não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus” (Rm 3,11). Tito 2,14 diz que Jesus “se entregou por nós para nos redimir de toda maldade e purificar para si um povo que é seu, desejoso de fazer o que é bom”. Esses são verbos ativos que mostram o que a morte de Jesus realmente alcançou. É uma expiação efetiva que realmente salva a todos os que dela se beneficiam. A Bíblia não nos permite isolar a cruz da salvação completa que ela proporciona. Assim Paulo escreve em Efésios 5:25-27: “Cristo amou a igreja e entregou-se por ela para a santificar, purificando-a pela lavagem com água através da palavra, e para apresentá-la a si mesmo como uma igreja radiante, sem mancha ou ruga ou qualquer outra mancha, mas santa e irrepreensível”. A morte de Cristo é parte de todo o seu ministério que provê uma noiva inox para si.
Quatro, se Jesus fez expiação por aqueles que não crêem e são condenados, então Deus puniu injustamente o pecado duas vezes, uma na cruz e outra na condenação dos pecadores que não crêem.
Por todas estas razões, devemos rejeitar a doutrina da redenção geral para a doutrina da redenção particular da Bíblia, também conhecida como expiação limitada. A obra expiatória de Cristo não é limitada em seu poder ou valor – na verdade, ela nos salva ao termo – mas é limitada no escopo àqueles que pertencem a Cristo e que, portanto, confiam nEle. A morte de Jesus é suficiente para todo o mundo, mas eficiente somente para os eleitos.
Voltando à pergunta original, como este ensinamento afeta nosso evangelismo? Creio que não impede o nosso evangelismo, embora o discipline – e a maioria de nós poderia usar alguma disciplina no nosso testemunho. Ele diz que as pessoas são salvas somente crendo em Jesus Cristo. Portanto, nós devemos estar ansiosos para dizer às pessoas que Jesus morreu para salvar os pecadores, acrescentando que se eles querem saber que ele morreu pelos seus próprios pecados, eles devem se arrepender e crer. Além da fé, eles não têm parte na morte salvadora de Cristo; de fato, eles estão crucificando Cristo novamente em incredulidade e não podem esperar ter benefícios de sua obra salvadora.
Meanwhile, este ensinamento dá o maior conforto ao crente temeroso. Ele diz a todo cristão que Jesus morreu não apenas para lhe dar uma chance de salvar a si mesmo se sua fé for boa o suficiente, mas para realmente e efetivamente salvá-lo. Ele nos faz cantar, com Augustus Toplady, “Nada nas minhas mãos eu trago, simplesmente para a cruz que agarro”. Para o santo mais fraco, ele implora: “Agora não há condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus” (Rm 8,1). Embora crendo, nós descansamos não em nossa fé mas em sua obra terminada, e lá encontramos conforto para nossas almas.
1 Para uma discussão mais extensa, veja B. B. Warfield, The Savior of the World, capítulo 3. Warfield observa que no final da história, quando todas as coisas forem restauradas, Cristo terá salvo o mundo inteiro. O cosmos regenerado é redimido por sua morte. E ainda assim pecadores descrentes não estão incluídos nessa redenção, assim como não estão incluídos naquele mundo que Cristo salva no final.