Como plantar um trilhão de árvores

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Quando as Filipinas abriram sua primeira escola de silvicultura em 1910, os líderes do instituto traçaram um plano para restaurar as florestas degradadas ao redor do campus fora de Manila. Eles plantaram dezenas de variedades de árvores, tanto nativas como exóticas. Em 1913, a escola recebeu 1.012 sementes de mogno (Swietenia macrophylla) de um jardim botânico em Calcutá, Índia, e começou a cultivá-las ao redor do terreno. A madeira dura americana tornou-se um produto tão básico nos esforços de reflorestamento do país que se espalhou por áreas naturais, de tal forma que acabou se revelando um incômodo. As árvores criam verdadeiros desertos verdes: suas folhas ricas em taninos são desagradáveis para os animais locais e parecem abafar o crescimento de outras plantas onde elas caem. Também produzem sementes anualmente, dando-lhes uma vantagem sobre as folhosas nativas, que o fazem em intervalos de cinco anos ou mais.

Não é a única loucura florestal da história. “Toda a noção de que espécies devem ser usadas na restauração tende a não receber, eu diria, atenção adequada”, diz Douglas McGuire, coordenador do Mecanismo de Restauração Florestal e Paisagística da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, em Roma.

Muitos projetos fracassam porque escolhem as árvores erradas, usam muito poucas espécies ou não são manejados a longo prazo”. Os silvicultores e ecologistas estão percebendo que, para que os esforços de restauração tenham sucesso, eles precisam pensar mais amplamente – sobre a adequação das árvores à sua localização, sobre os efeitos sobre os insetos e outros animais próximos e sobre as relações com o solo e as mudanças climáticas. Em outras palavras: o ecossistema.

Os cientistas estão agora a testar e comparar estratégias que vão desde deixar a natureza seguir o seu curso, até abordagens de gestão florestal que se parecem muito com a agricultura. Não existe uma solução única, mas o trabalho expõe algumas fricções filosóficas. Os ecologistas que procuram aumentar a biodiversidade podem defender uma ampla gama de espécies, enquanto os defensores do desenvolvimento sustentável podem apoiar as árvores frutíferas exóticas que beneficiam a população local. E pesquisadores que buscam mitigar as mudanças climáticas podem pressionar por uma única variedade de crescimento rápido.

“Tem havido diferentes atitudes sobre qual é o objetivo da restauração”, diz Robin Chazdon, um ecologista florestal da Universidade de Connecticut em Storrs. “Há também alguma tentativa de reconciliação, o que é muito promissor”.

Há espaço para o crescimento – muito, na verdade. Uma análise de 2011 sugeriu que cerca de 2 bilhões de hectares de terra, uma área maior que a América do Sul, é adequada para restauração (ver ‘Expectativas verdes’). Grande parte desta terra foi desmatada ou degradada como resultado da atividade humana. E muitos países e organizações têm feito promessas na última década para ajudar a preencher essa área. Há promessas de plantar bilhões ou mesmo trilhões de árvores, e programas regionais como o Grande Muro Verde da África, que cercaria o deserto do Saara com vegetação. A China estabeleceu algumas das metas nacionais mais ambiciosas. O seu objectivo é plantar 6,7 milhões de hectares de árvores – aproximadamente do tamanho da Irlanda – só este ano.

Fontes: World Resources Institute e http://www.bonnchallenge.org/commitments

Mas alguns prazos-chave estão a chegar. O Desafio de Bonn, estabelecido em 2011, por exemplo, visa restaurar 150 milhões de hectares até 2020, e outros 200 milhões na década seguinte. Tem recebido amplo compromisso de países de todo o mundo, mas as estratégias nem sempre são apoiadas por evidências, e as medidas de sucesso ainda estão sendo definidas. À medida que os esforços de conservação avançam, dizem os cientistas, é imperativo olhar para as principais estratégias. “Há um grande risco neste movimento de restauração de grandes promessas, grandes alvos e um prazo muito apertado”, diz McGuire.

Deixe a natureza seguir seu curso

Quando as pessoas pensam em reflorestamento, elas muitas vezes pensam em plantar árvores. Mas alguns ecologistas argumentam que a melhor maneira de repovoar uma floresta é deixá-la em paz. Nos anos 80, Daniel Janzen e seu parceiro Winnie Hallwachs, ambos biólogos da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, desenvolveram um plano para reflorestar um pequeno parque nacional na Costa Rica que havia sido escavado em um antigo rancho. Estava coberto de gramíneas africanas que foram intencionalmente queimadas durante a estação seca. A dupla, juntamente com parceiros incluindo o governo, empregou a população local para deter os incêndios e ajudar a guardar a terra. Com o passar do tempo, o que se assemelhou a uma savana africana superpovoada tornou-se uma floresta tropical com árvores tropicais (Samanea saman), guanacaste (Enterolobium cyclocarpum), ameixas de porco (Spondias mombin) e outras árvores nativas. E com a ajuda de doadores e trabalhadores locais, ela cresceu.

Crianças em idade escolar plantam árvores na Floresta Mau como parte do Movimento Cinturão Verde do Quénia. Crédito: Riccardo Venturi/Contrasto/eyevine

Mas a regeneração natural não vai funcionar em todo o lado. Há inúmeras áreas ao redor do mundo que estão muito mais degradadas do que o Guanacaste. Em alguns lugares, os nutrientes do solo estão esgotados, e não há sementes ou mudas de espécies nativas para povoar o espaço. Mesmo com a vontade política de proteger tais regiões, é improvável que as florestas reflorestadas cresçam de novo.

É aí que são necessários esforços mais agressivos, e os conservacionistas estão explorando diferentes estratégias. Na Tailândia, Stephen Elliott, diretor de pesquisa da Unidade de Pesquisa de Restauração Florestal da Universidade de Chiang Mai, vem restaurando a floresta local com espécies nativas há décadas. Ele tem seguido uma abordagem de estrutura-espécie, que envolve o plantio de espécies suficientes para começar a atrair polinizadores e dispersores de sementes. A chave, diz ele, é conseguir que o dossel feche rapidamente – até o segundo ou terceiro ano – para evitar que as ervas daninhas assumam o controle.

Nigel Tucker, que ajudou a estabelecer a abordagem de espécies-estrutura na Austrália nos anos 90, diz que ele notou no início que algumas plantas tinham um papel de apoio a um ecossistema próspero. Tomemos as figueiras (Ficus spp.): nas florestas tropicais de todo o mundo, elas produzem culturas fruteiras regulares das quais as aves, morcegos e primatas dependem – particularmente durante os períodos secos – e a sua folhagem é uma importante fonte de alimento para outros animais. Tudo isso ajuda na polinização e dispersão de sementes, o que encoraja a regeneração da floresta. “No meu trabalho local, os figos sempre constituem 10% de qualquer plantio, e plantamos o maior número possível de espécies de figos”, diz Tucker.

Uma outra estratégia, conhecida como nucleação aplicada, envolve o plantio de pequenos cachos, ou ‘núcleos’, de árvores ao longo de uma clareira. O objetivo é que estas se fechem gradualmente umas nas outras, à medida que os núcleos atraem dispersores de sementes. Karen Holl, uma ecologista de restauração da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, estudou esta abordagem na Costa Rica e em outros lugares. Pode ser tão eficaz quanto plantar uma área inteira com árvores, diz ela, mas requer menos recursos, e o resultado é uma paisagem mais variada.

Chazdon tem trabalhado com colegas para escrever uma revisão que compara como as diferentes abordagens afetam a produção de madeira, populações de vida selvagem, retenção de água e sedimentos, e outros fatores. Mas ela está lutando para fazer isso porque, diz ela, não há muitos estudos para rever. “Não temos muitas evidências. Nós temos percepções”, diz ela. “A base para a tomada de decisões não é muito científica neste ponto”

Acordos cooperativos

Apesar de erros florestais como o problema do mogno nas Filipinas, os pesquisadores ainda debatem se os esforços de restauração devem se basear inteiramente ou predominantemente em espécies nativas. Um número crescente de esforços está mostrando que a integração de espécies comerciais exóticas com espécies nativas pode produzir resultados promissores tanto para os ecossistemas quanto para as economias. Espécies como o eucalipto (Eucalyptus globulus) e o pinheiro (Pinus spp.) podem crescer rapidamente, e em solos muito degradados; a maioria das espécies nativas que estão sendo perdidas nas florestas ao redor do mundo não o fazem. Plantá-las juntas significa que as árvores de crescimento mais rápido – escolhidas porque não se podem espalhar sozinhas – podem fornecer uma copa para as mais lentas, dando-lhes uma ajuda. As espécies de dossel também podem ser uma fonte de renda para as comunidades ou uma forma de apelar às empresas madeireiras para que participem de projetos de restauração que promovam a diversidade de espécies. O ecologista de restauração Pedro Brancalion, do Laboratório Florestal Tropical da Universidade de São Paulo no Brasil, está colaborando com uma empresa de celulose para plantar eucaliptos ao lado de espécies nativas da Mata Atlântica e, posteriormente, colher os eucaliptos. A abordagem tem gerado receita suficiente para compensar a maior parte dos custos do projeto.

Uma mulher colhe bagas de uma palmeira juçara no estado do Maranhão, Brasil. Crédito: Tyrone Turner/NGC

Espécies nativas também podem beneficiar a economia. Outro esforço Brancalion está envolvido com as fendas pesadas na juçara (Euterpe edulis), um parente ameaçado do açaí mais conhecido que também produz um fruto comestível. As árvores de juçara são plantadas onde as pessoas acharem conveniente: em hortas familiares, ao longo das pequenas estradas de terra que ligam as aldeias, em fragmentos de floresta remanescente e em agroflorestais – onde árvores ou arbustos são integrados com outras culturas alimentares ou com pastagens. Um projeto conhecido como Rede Juçara também reavivou a apreciação cultural pelos frutos, que agora é o foco de um festival gastronômico nacional e uma importante fonte de renda para muitos pequenos agricultores.

Chazdon e outros dizem que em áreas densamente povoadas, a agroflorestação parece ser uma boa ideia porque pode fornecer alimentos. “Isso será um forte fator de motivação para que as pessoas se envolvam e para que a restauração seja bem sucedida”, diz ela.

Tem-se tornado um fenómeno que se tem vindo a espalhar em algumas partes de África. Alex Munyao, um agricultor do leste do Quênia, aprendeu a cuidar de mudas e enxertos de árvores em um programa de treinamento em 2013, realizado pelo World Agroforestry Centre, ou ICRAF, sediado em Nairóbi. Ele convenceu a equipe do ICRAF a estabelecer um viveiro que cultiva abacates (Persea americana) originários da Mesoamérica, maçãs kei (Dovyalis caffra), que são nativas da África Austral, e um punhado de outros frutos. Ele já vendeu mais de 30.000 mudas a outros agricultores e a funcionários do governo local para projetos de restauração. Ele também doou algumas para escolas locais e ajuda as pessoas da comunidade a enxertar seus próprios abacateiros locais com variedades melhoradas.

Stepha McMullin, que dirige o programa Fruiting Africa no ICRAF no Quênia, diz que porque pessoas como Munyao estão espalhando a palavra, tal treinamento tem sido capaz de alcançar 10.000 ou mais agricultores. O programa já distribuiu mudas suficientes para plantar árvores em mais de 500 hectares de terras agrícolas. Inclui espécies exóticas, em parte porque frutos como mangas e papaias muitas vezes têm valores de mercado mais elevados, mas os agricultores também estão aprendendo o valor de algumas variedades nativas.

A data do deserto (Balanites aegyptiaca), por exemplo, já foi comum na natureza em grande parte das terras secas de África e os seus frutos eram nutritivos e populares entre as crianças, mas muitos agricultores tinham arrancado estas árvores das suas terras para dar lugar a outras culturas. Quando a equipe de McMullin se aproximou dos fazendeiros para plantar – ou simplesmente poupar – as datas do deserto, “eles ficaram muito surpresos e até riram do pensamento”, diz ela. Mas depois de aprender sobre os benefícios para a saúde, particularmente para as crianças, mais famílias optaram por preservar e plantar as árvores.

Uma questão de origem

Num esforço para apoiar programas de restauração em outros lugares e em maior escala, os colegas de McMullin estão desenvolvendo suprimentos de sementes e mudas, mantendo bancos de genes e seqüenciando os genomas das árvores indígenas e outras culturas. O trabalho deles trata de um dos problemas que poderiam bloquear grandes esforços de restauração em diferentes partes do mundo.

“De onde virá o material de plantio? Esse é um grande gargalo”, diz Ramni Jamnadass, especialista em recursos genéticos que supervisiona o projeto de Diversidade, Domesticação e Entrega de Árvores do ICRAF.

Em maio, a Bioversity International e outras organizações divulgaram um relatório analisando os sistemas de fornecimento de sementes em sete países da América Latina, com foco no governo e agências de pesquisa envolvidas na restauração; nenhuma prestou muita atenção às origens genéticas das sementes ou à diversidade das espécies nativas disponíveis.

Brasil é uma exceção a essa tendência, tendo estabelecido prósperos viveiros para mudas nativas. Também possui leis que exigem que os proprietários de terras na Amazônia mantenham uma certa quantidade de vegetação nativa em suas propriedades – embora estas leis tenham tido sucesso misto. Elas não foram aplicadas por muito tempo e, segundo algumas estimativas, o desmatamento tem aumentado com o tempo, não diminuído.

Asia é indiscutivelmente a região mais negligenciada pelos esforços globais para aumentar a diversidade na restauração e no estudo das espécies nativas. Christopher Kettle, diretor da Bioversity International para recursos genéticos florestais e restauração em Roma, diz que a necessidade de infra-estrutura – coisas como mecanismos de coleta e armazenamento de sementes, e viveiros para cultivar mudas – pode ser mais desesperada aqui porque muitas árvores são espécies de ‘masting’, que não produzem sementes todos os anos. As pessoas precisam de estar prontas. “Caso contrário, você perde o barco, perde todas as sementes e tem que esperar mais sete anos”, diz Kettle. “Esta é uma questão muito, muito crítica para a restauração no Sudeste Asiático, porque muitas das espécies mais importantes de madeira e espécies arbóreas – as que vão trancar mais carbono – são todas espécies de mosto”.

A mudança climática é um factor impulsionador para a restauração das florestas, mas também levanta questões, tais como onde as árvores podem prosperar no futuro. John Stanturf, ecologista florestal e coordenador do grupo de pesquisa da International Union of Forest Research Organizations em Nova York, vê no conceito de migração assistida, ou mudança de plantas para onde elas podem sobreviver hoje e prosperar no futuro, uma promessa. Ele e seus colegas no ano passado coletaram sementes das florestas do mar Cáspio do Irã e as trouxeram para a Dinamarca. As árvores iranianas são adaptadas ao calor e à seca, mas também estão relacionadas com as espécies dinamarquesas. A Stanturf pretende testar se a introdução aumenta a diversidade genética, a resistência e a resiliência das árvores nativas.

A mudança climática também deve alterar as relações entre árvores, insetos, doenças e outras espécies florestais. “Insetos que hoje são um problema menor podem se tornar um problema maior se eles puderem produzir três ou quatro gerações em um ano”, diz Stanturf. Esta continua a ser uma lacuna de conhecimento significativa. “Sabemos o suficiente para saber que isso é uma preocupação, mas ainda não sabemos o suficiente sobre como responder a isso. Essa é uma grande área para se fazer pesquisa”. O solo também, diz Cindy Prescott, uma ecologista florestal da Universidade de British Columbia em Vancouver. “Se você não olhar para o solo no início, você pode gastar muito dinheiro e tempo colocando espécies que não vão sobreviver lá.”

Com tanta pesquisa a fazer, os líderes no campo têm feito uma pesquisa de alma, e reconhecendo que a restauração pode ser motivada por – e concebida para satisfazer – diferentes necessidades. “Quando você fala sobre conservação ou restauração, a primeira pergunta tem que ser restauração por quem, para quem?” diz Janzen.

A pergunta pode ter mais de uma resposta. Grande parte do financiamento global para restauração é dedicado ao seu desenvolvimento como uma ferramenta para mitigar a mudança climática, observa Brancalion. “Mas se você perguntar a um agricultor no Brasil se ele ou ela está preocupado com a mudança climática, eles diriam: ‘Não, eu estou preocupado com a água'”, diz ele. Seus interesses como mordomos da terra precisam ser melhor integrados com aqueles que têm dinheiro para apoiar a restauração”.

Essa tem sido a lição mais forte de todas para Chazdon. A restauração é mais do que aquilo que é plantado no solo, diz ela. “Sim, é sobre florestas, mas é realmente sobre pessoas. Eles são os agentes da restauração.”

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