Brasil e ‘América Latina’ em Perspectiva Histórica

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Histórica Leslie Bethell forneceu um relato histórico da ambivalência do Brasil em relação à ‘América Latina’ num seminário do Instituto Brasil em 2 de março, acompanhado por Eric Hershberg, diretor de Estudos da América Latina na Universidade Americana, e Julia Sweig, diretora de Estudos da América Latina no Conselho de Relações Exteriores. Bethell argumentou que, historicamente, a idéia do Brasil como parte da América Latina nunca foi totalmente abraçada, nem por espanhóis americanos, nem por brasileiros. E com o surgimento do Brasil como líder regional na América do Sul desde o fim da Guerra Fria, a própria noção de “América Latina” está sendo desafiada.

Bethell traçou a primeira vez que o termo “América Latina” foi usado até meados do século 19. O conceito se referia apenas à América espanhola; não se destinava a incluir o Brasil. Além disso, o Brasil estava isolado de seus vizinhos latino-americanos por geografia, história, estruturas políticas, composição racial, cultura e, sobretudo, língua.

Com sua longa linha costeira atlântica, o Brasil fazia parte do mundo atlântico e seus interesses estavam ligados à Europa, especialmente à Grã-Bretanha. Durante a primeira metade do século XX, os Estados Unidos substituíram a Grã-Bretanha como o “pilar central da política externa do Brasil”, observou Bethell. Enquanto isso, os países de língua espanhola tinham pouco interesse no Brasil e desconfiaram do imperialismo americano, especialmente depois da Guerra hispano-americana.

“Da minha leitura da história intelectual deste período, surpreendentemente poucos intelectuais hispano-americanos que pensavam na América Latina pensavam que ela tinha algo a ver com o Brasil”, disse Bethell. “A grande maioria continuou a excluir o Brasil do que eles pensavam como Nuestra América e América Latina”. E os brasileiros consideravam a América espanhola como a ‘outra’ América. Muitos sentiram afinidades mais próximas com os Estados Unidos do que com a América espanhola.

Brasil como parte da América Latina

Em 1930, durante e imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, e durante a Guerra Fria os Estados Unidos começaram a considerar todos os países ao sul do Rio Grande como formando uma única região chamada América Latina. Esta visão oficial dos Estados Unidos influenciou governos, instituições multilaterais e até mesmo estudos acadêmicos. “Os estudos latino-americanos decolaram em grande escala nas universidades americanas e nas universidades da Europa e de outros lugares, acelerando ainda mais depois da Revolução Cubana… foi esmagadoramente o estudo da América espanhola”, enfatizou Bethell. O Brasil foi relativamente negligenciado.

Exceto à esquerda – e esta foi uma exceção importante – poucos intelectuais brasileiros pensaram na América Latina e, quando pensaram, ainda não pensavam que o Brasil fazia parte dela. E, na maioria das vezes, disse Bethell, os governos brasileiros não estavam muito interessados na América Latina – e vice-versa. Ao mesmo tempo, as relações do Brasil com os Estados Unidos se tornaram mais problemáticas.

Nos últimos 20 anos desde o fim da Guerra Fria, houve dois grandes desenvolvimentos no relacionamento do Brasil com a região, disse Bethell: “Embora mantendo sua posição na OEA e participando de todas as cúpulas das Américas, o Brasil resistiu à agenda americana de integração das Américas… enquanto pela primeira vez em sua história o Brasil buscou ativamente uma política de engajamento com todos os seus vizinhos imediatos e começou a se ver como um líder regional”. No entanto, a região era agora a América do Sul, mais do que a América Latina, sublinhou Bethell.

No entanto, na visão de Hershberg, o Brasil e a América Latina compartilham histórias e desafios recentes semelhantes. “Quando penso no Brasil no contexto latino-americano, como cientista político, olho para o período imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial até o presente e vejo temas recorrentes que estão na vanguarda dos debates no Brasil e práticas no Brasil que são quintessencialmente latino-americanas”, disse Hershberg, referindo-se, por exemplo, ao populismo, governo militar, democratização e neoliberalismo.

Para Sweig, a apresentação de Bethell foi reconfortante porque sua revisão histórica confirmou sua própria criação como uma criatura de estudos de área, sem uma base sólida no Brasil. Sweig observou que “a atual visão da política externa brasileira parece estar baseada na noção do Brasil como o poder da América do Sul, ancorado nas Américas, como uma necessidade para se tornar uma potência global”

O artigo de texto Leslie Bethell apresentado no seminário foi publicado em português na Revista de Estudos Históricos (CPDOC, Fundação Getúlio Vargas) e está disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2590/1543 . A versão original, em inglês, aparecerá na Revista de Estudos Históricos.

Por Renata Johnson
Paulo Sotero, Instituto Brasil

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